Estava lendo uma revista Vip de 2004 quando encontrei um texto muito interessande de Marcelo Rubens Paiva.
A história de Arnaldo, o monstrengo que distribuía conselhos sobre a alma feminina.
Tá certo. Há uma tremenda incoerência neste título. Com a idade, descobre-se que as dúvidas existenciais não têm solução e persistem, que os dilemas da humanidade permanecem dilemas, e as mulheres, quem as entende?
Arnaldo. É, Arnaldo. O homem que entendia as mulheres. Ninguém sabe de onde ele veio nem quando apareceu. Arnaldo, uma aberração da natureza: baixo, com o pescoço mais largo do que a cabeça, mas magro de doer, vesgo, com os dentes tortos e as mãos peludas. Era quem preparava o caldo de cana de uma pastelaria da rua 15 de Novembro, em Santos. Era quem cuidava da ressaca de muitos homens intrigados.
Começou assim, chegou um bebum e lamentou: “Cara, ela disse que não me quer mais, foi para a casa da mãe. Insisti, volta, chorei, pedi desculpas, já faz 20 dias, e ontem me avisou, mandou eu fazer uma caixa com as coisas dela, é o fim, terminou, e ainda amo aquela mulher, não sei o que faço...”
Arnaldo ouviu, apesar do barulho da máquina de moer cana, serviu uma dose com limão e aconselhou: “Faz a caixa, mas só com a metade das coisas dela. Vai por mim. Quando ela pedir o resto, pede para ela ir buscar pessoalmente. Então, jogue todas as fichas, declare seu amor, implore para ela ficar. Quando uma mulher pede suas coisas, ela não quer ir definitivamente, quer apenas uma prova de amor”.
Outros clientes discordaram, disseram que homem não pode ceder, que mulher é problema, essas coisas. Mas o bebum, sem ter em que se apegar, seguiu os conselhos e reapareceu, três dias depois, sóbrio, de barba feita e com uma garrafa de vinho de presente, que entregou a Arnaldo: “Isto é para você, que salvou meu casamento. Segui seu conselho, e funcionou. Voltamos. Estamos apaixonados...”
Outro freguês ouviu aquilo e disse: “Já que, pelo visto, você entende as mulheres, me explica uma coisa. A minha todo dia chega em casa e diz que foi cantada por alguém, do chefe ao cobrador, e isso está me matando de ciúme, tenho medo de perdê-la, não sei o que fazer”.
Arnaldo nem parou para pensar e respondeu de imediato: “Ela só está chamando sua atenção. No fundo, quer muito você, só quer você, acha você o tal, acha que não é mulher para você. Fique tranqüilo e seja amoroso”.
Um rapaz que escutou emendou uma pergunta: “Conheci uma garota, me apaixonei, mas ela não dá para mim. Ela não tem tesão por mim?” Arnaldo, com a paciência de um sábio, disse: “Ela o adora. Até demais. Tem medo de dar para você e de você não gostar. Só há um jeito. Dê um anel de presente. Fique noivo dela”.
Expulsem o picareta!
Os dois casos acima se confirmaram. A notícia se espalhou. Em dias, havia uma fila na pastelaria. Queriam caldo de cana e conselhos. “Ela acha que sou mulherengo, mas só tenho ela, só quero ela, apesar de ela reclamar de tudo.” “Então, nas próximas semanas, broxe. Diga que você era, sim, mulherengo e que ela o fez perder o interesse pelas mulheres. Então, milagrosamente, cure-se quando ela estiver nua no banheiro. E faça amor com ela seguidamente, durante dias, agradecendo por ela existir.”
Pessoas de toda a Baixada vinham se consultar. Em meses, o trânsito da 15 de Novembro foi desviado, devido à multidão que se acumulava na porta. Tumultuou a rotina do centro. Na reunião da Câmara de Comércio Santista, o presidente foi à tribuna e proferiu: “Não queremos ninguém que entenda as mulheres. Queremos a paz de volta à cidade”. Já a presidente da Associação de Mulheres do Bem, esposa do presidente da Câmara de Comércio, exigiu: “Expulsem agora esse falso conselheiro da cidade. Queremos continuar confundindo, para o bem da família santista!”
Assim foi decidido. Arnaldo fez suas malas. Partiu numa madrugada. E fez-se a paz.
Marcelo Rubens
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